O que eu temia aconteceu: Holanda e Brasil nas quartas de final da Copa do mundo 2010. Aparentemente, o pessoal não entendeu porque eu não queria o confronto, a julgar pelo grande número de pessoas que perguntou pra quem eu iria torcer.
Torcer pra quem?! Tá falando sério?
Oras, como assim, pra quem eu torceria? Pra quem haveria de ser, sendo eu brasileiro? Eu torço pra outras seleções secundariamente, conforme circunstâncias, como todo mundo (estou me entregando aqui, mas eu torci pela Dinamáquina de 86 e pro Camarões de 90, ambas depois da eliminação do Brasil, pelo divertido da coisa). E como muita gente, tenho um segundo time. Pra uns o país dos avós/bisavós. Outros, o país onde mora o irmão. Pra mim? O país que vem me acolhendo desde 2007.
Mas morar há cerca de dois anos e meio em outro país não mudou (e nem poderia) mudar o fato de que sou brasileiro. Já estou formado. Em caso de confronto direto entre Seleção Brasileira e quem for, oras, não há e nem poderia haver questão alguma! Sou visceralmente incapaz de torcer contra a Seleção. Posso no máximo ficar indiferente: ignorei sumariamente as últimas Copa America, Olimpíada e vi um grande total de zero jogos das eliminatórias — ou qualquer outro jogo da Seleção entre 2006 e essa Copa. Ignorar é uma coisa: torcer contra requeria de mim um certo grau de cinismo (e não indiferença: quem é indiferente não torce) que não consigo ter, e nem vejo motivo para. Desculpe, Oraniê (o certo é Oranje, tô abrasileirando, ok?), mas a Seleção é e sempre será minha pátria de chuteiras contra vocês. Conte comigo, porém, contra os alemães, franceses (e olha que eu chamo Duclos, hein?), argentinos (especialmente argentinos) e quetais.
A Bailandesa escreveu um excelente artigo sobre o confronto Brasil e Holanda do ponto de vista de quem tem mais envolvimento com a Holanda do que nós.
Futebol?
Já fui fanático por futebol, na minha adolescência (que, como vocês deduziram pelo comentário a respeito da Dinamáquina, já vai longe). Mas fui me desligando cada vez mais, me desinteressando. Muito disso tem a ver com a histeria gerada em torno, a ponto de gerar mortes. Mortes! Por futebol!
A última vez em que fui a um estádio — e eu já estava bem desligado, na época — eu tive de correr para salvar minha vida (considero briga de torcida uma das maiores estupidez que existem. A torcida em que eu estava foi atacada porque havia ganho o campeonato. Eu tava saindo do estádio pra ir pra casa, feliz da vida. Corri pra me salvar). Eu vi, na minha fuga, sangue, eu vi brigas campais dignas de um Braveheart, só que em vez de valer a independência contra os invasores de sua terra natal, valia... sei lá eu. Nada. O jogo já havia acabado. Eu parei e me perguntei:
- Pra quê isso? É um jogo, eu vim aqui me divertir!
Pensar na pergunta me fez ver o absurdo da situação de histeria toda. Olhei futebol e vi só um jogo, que pode ser legal, ou pode não. Fui desinteressando, desinteressando e a última vez em que meu time foi campeão brasileiro, eu descobri pelo twitter, sem ter visto jogo algum. Whatever. Outros entretenimentos ocupavam meu tempo livre.
Copa é outro papo
Mas Copa, Copa é diferente. Copa é a época na qual quem não sabe nem quem é a bola tem o direito de virar técnico, torcer, dar palpite, gritar, falar merda como se fosse o maior entendido, e ir tomar cerveja pra comemorar vitória ou pra lamentar derrota. A cada quatro anos os entendidos e torcedores profissionais tem de conviver com os amadores apaixonados — e falo de uma paixão adolescente, daquelas intensas mas curtas. Depois da Copa... futebol é o quê mesmo?
Onde ver o jogo? Oras, na casa do adversário, por que não?
Até o dia do jogo eu não sabia onde iria assistir. Algumas pessoas convidaram, mas por motivo ou outro não deu certo (agradeço à todos). No fim, a empresa onde trabalha um amigo estendeu o convite à nós pra ir assistir em Amsterdam. No meio de um bar entupido de holandeses, sendo nós em 5 brasileiros, um valente português e um romeno simpatizante na outra torcida.
Sete de nós contra um mar laranja. Esparta teve mais sorte. Topei na hora.
Programa cervejas por gols: eu apoio
Peguei o trem de Haia à Amsterdam e chegamos eu e Carla poucos minutos atrasados. Confesso que quando vi aquela laranjada toda, fiz um discreto glup. Localizamos os gatos pingados de verde e amarelo e nos unimos num cantinho pra gritar o primeiro tempo todo. Não havia mais lugar e vimos o jogo na Geral, de pé. Não fomos os únicos, nem de longe. O bar estava lotado. De camisas laranjas.
Fizemos a nossa festa, que soava mais alta devido ao silêncio neerlandês que reinava. Após o primeiro gol, consegui tirar uma foto e tuitar, mostrando o bar em sepulcral silêncio. O holandês, dono da empresa que nos convidou, havia prometido pagar uma rodada de cerveja pra cada gol marcado da Holanda, ao fim do primeiro tempo e em outros eventos. Ah, sim, ele impôs um limite de cerveja grátis pra no máximo sete gols, presunção que valeu-lhe muita gozação, especialmente ao fim do primeiro tempo, quando chegou a primeira rodada. A cerveja que compramos pra comemorar o gol do Brasil seria a última que pagaríamos do nosso bolso naquela fatídica sexta.
Berrávamos, e os holandeses nos olhavam, meio tortos. Uma hora, um de nós perguntou: será que a gente torce muito alto, tipo, eles são tão quietinhos...
No segundo tempo nós descobriríamos que os holandeses sabem berrar direitinho. Sem problema algum!
O segundo tempo. Teve segundo tempo? Digo, pro Brasil?
Eu já estava com duas cervejas na mão, cortesia da empresa na qual nem eu nem a Carla trabalhamos, quando veio o gol de empate. Onda laranja.
Nervosismo em campo. Urros laranjas na torcida – TUM TUM TUMDUMDUM ORANJE! e HOLLAND HOLLAND HOLLAND. Ganhamos cervejas servidas pessoalmente por alegres holandeses. Agradeci e continuei tomando. Assim como o Brasil, que tomou mais um. Eu nem vi. A massa laranja que pulou à minha frente, ensandecida, não deixou. Assumi que havia sido gol, e pressenti, diante de tão sutis indícios, que não era nosso.
Lembrei do twitter. Tentei tirar uma foto. Todos pulavam. Caiu cerveja no meu celular e travou tudo, assim como o time brasileiro. Pensei: ah, que se foda. Aceitei a cerveja. E dali por diante foi loucura geral até o fim. Do dia, não do jogo. Cara, eles comemoraram. Veio um novo Dia da Rainha em Amsterdam.
O jogo acabado, os holandeses procuravam os brazucas salientes. Nós os cumprimentamos. Eles estavam muito, muito, muito, muito felizes. Nós estávamos pasmos. Ou talvez bêbados, não sei ao certo. Os holandeses logo se juntariam a nós, em todo o caso.
Sim, fomos gozados, não, não de maneira agressiva. Muitos reconheceram que era esportivo de nossa parte parabenizá-los pela vitória (bem, eu chamo também de instinto de sobrevivência, mas né, deixa esportivo, soa mais bonito).
Na frente do bar continuamos bebendo e vendo a festa holandesa. Parecia, sério, que haviam ganho a Copa. Tá, dêem uma olhada:
Isso era meia hora depois do jogo já.
Helaas Pindakaas
A expressão é tipicamente holandesa, e quer dizer algo como "que pena", talvez com um tom de "é foda, mas é isso aí". Helaas quer dizer "infelizmente", e pindakaas é tipo manteiga de amendoim e entra na coisa só pra rimar. Que mais eu poderia dizer?
Agora é guentar a gozação
Nisso eu tenho já uma certa prática, sendo eu amante do que em inglês se chama trash talk: tirar onda do adversário. Eu gosto muito mais do trash talk do que do esporte, e consigo provocar com qualquer coisa. Na verdade, mesmo em coisas que nem ligo pro assunto. A diversão está em falar coisas engraçadas e rápidas, como um repentista.
Só que tem duas regras: Um, não pode perder a esportiva. Nem você nem o outro. Se o outro está levando a sério de verdade, pare. Se você tira sarro, guente o sarro de volta também. E dois, sem ser ofensivo. Brincadeira é uma coisa, canalhice ou espírito de porco é outra.
Enfim, eu tirei onda antes do jogo. Eles também. Agora eles tiram mais. É da regra.
A Argentina salva o dia. Seguinte.
Eu fiquei sabendo da Alemanha dando uma tunda na Argentina pela TV da loja de eletrônicos que eu tava visitando no dia (tô falando que eu sou desligado...). Fiz maior festa — Quatro. QUATRO! Que beleza! —, recebendo os olhares fulminantes dos vendedores holandeses. Holandeses adoram a Argentina (talvez por causa da Princesa deles, a Maxima) e odeiam a Alemanha com paixão.
Não quis nem saber, fiz dancinha no meio do MediaMarkt e tudo, eu e Carla. Cada um com seus argentinos, amigos.
O artigo Brasil e Holanda na copa 2010 foi retirado de Ducs Amsterdam.